terça-feira, 10 de maio de 2011

Palavras, estranha potência, a vossa!

Antonio Luceni

Tudo que pensamos, imaginamos, projetamos e fazemos é por meio da palavra. Nosso pensamento não é feito de uma substância mágica que de modo também sobrenatural é encaminhado. Não. Antes, tudo que realizamos é por meio da palavra.

Quando falamos (palavras): “Como é fulano?”, obtemos como resposta (palavras), por exemplo: “Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.”

Se quisermos retomar o passado e vivenciar este ou aquele momento de nossa vida iremos fazê-lo por meio da palavra: “Oh! que saudades que eu tenho / Da aurora da minha vida / Da minha infância querida / Que os anos não trazem mais!".

Do mesmo modo, todos nossos planos futuros estão sob o domínio da palavra: “Vou-me embora pra Pasárgada/ Lá sou amigo do rei/ Lá tenho a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei”.

As grandes e pequenas histórias da humanidade estão registradas por meio da palavra: O Pentateuco, atribuído a Moisés; Ilíada e Odisseia, de Homero; Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões e Macunaíma, de Mário de Andrade são alguns exemplos de (auto)identificação do povo por meio de seu repertório escrito e, especificamente nos casos ilustrados acima, estéticos, de ficção.

Tendo em vista o exposto antes e acreditando que nossa autoimagem é constituída, em partes, pela relação que mantemos com as palavras, algumas questões são necessárias, entre as quais: Quais palavras fazem parte de nosso repertório como ser humano?

Quando nos referimos a “nosso repertório” estamos pensando na perspectiva de acordo com nossa faixa etária: se criança, se jovem, se adulto, se idoso. Nesse sentido, para cada fase de nossa vida, nossa relação com as palavras também é modificada e, deveria, de acordo como passar dos anos, ser cada vez mais inovadora, inventiva, madura, sem preconceitos.

Retomando a nossa própria formação, as experiências que tivemos com leitura e com o livro, os autores e obras que conhecemos, os livros de que mais gostamos, aqueles que mexeram conosco, que nos pegaram no primeiro parágrafo...

A partir de nossas leituras diárias, as palavras com as quais nos identificamos diariamente, quais elegemos para fazerem parte de nosso vocabulário, do nosso “falar difícil” até o nosso falar mais cotidiano, mais solto, sem preocupações formais.

Se adultos, com um repertório de vida e de palavras mais amadurecido, mais adequado para cada uma das situações. No dizer de Jorge Larrosa Bondía, “as palavras produzem sentido, criam realidade e (...) funcionam como potentes mecanismos de subjetivação. Eu creio no poder das palavras, na força das palavras, creio que fazemos coisas com as palavras e, também, que as palavras fazem coisas conosco. As palavras determinam nosso pensamento porque não pensamos com pensamentos, mas com palavras, não pensamos a partir de uma suposta genialidade ou inteligência, mas a partir de nossas palavras. E pensar não é somente “racionar” ou “calcular” ou “argumentar”, como nos tem sido ensinado algumas vezes, mas é sobretudo dar sentido ao que somos e ao que nos acontece”.

Por essa razão quando dizemos para alguém “Eu te amo” isso deve estar cheio de sentido de verdade; quando falamos “Deus o abençoe” que seja tudo isso que entendemos e desejamos por “Deus” e “benção”; assim como quando pensarmos em “desgraçado” ou “amaldiçoado” compreendamos, antes, que sentimentos e sensações estas palavras despertarão no atingido por elas.

*Adaptação a partir de um artigo escrito pelo autor sob o mesmo título, disponível na íntegra em www.antonioluceni.blogspot.com

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, Diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.

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