terça-feira, 26 de abril de 2011

MEU BRINQUEDO PREDILETO


Antonio Luceni


Conversando com minha amiga Wanilda Borghi algumas semanas atrás, falávamos sobre os apegos da vida. Dizia a ela que cada um de nós elege nesse percurso da vida alguma coisa pra se agarrar. Na infância temos um ursinho de pelúcia, um “cheirinho” (fralda ou pano velho que ficamos cheirando para dormir, daí o nome carinhoso), uma camiseta ou sapatos prediletos...

Já na adolescência, os brinquedos crescem conosco e aí partimos pra coisas mais desafiadoras que variam desde skates e bikes com suas manobras radicais até os proibidos percursos de carros, motos e jet-skis em ranchos, fazendas ou becos escuros e desabitados da vida.

Quando adultos já temos acumuladas tantas coisas que aí fica difícil citar o que quer que seja. Mas vá lá, arrisquemos alguns: casas, carros, viagens, jóias, festas etc., etc., etc... E queremos mais? Sim, queremos.

Aí o melhor da conversa. Nós dois dizíamos ter escolhido as artes para serem nossos “brinquedos prediletos”. Ela formada em piano e escritora, traduz a sua sensibilidade e delicadeza (porque é uma pessoa delicada, inteligente e simples) em composições que estão por várias partes de Araçatuba. Eu, com minha dedicação às letras, no ofício de escritor, às cores, em minha inclinação para as artes plásticas e às formas e cores, agora no curso de arquitetura e urbanismo.

Cada um de nós elege na vida algo para o qual irá dedicar grande parte de sua energia. Quando optamos pelas artes (a literatura, a pintura, o cinema, a arquitetura, a música, o teatro, a dança ou qualquer outra expressão artística) encontramos um porto seguro para suportarmos a vida. Sim, porque a vida só é possível quando nos “distraímos” com algo e não ficamos pensando muito nela.

Ao mesmo tempo, quando os elegemos coisas materiais, palpáveis demais nunca estamos satisfeitos, já que queremos abraçar tudo, acumulando coisas, e mais coisas, e mais coisas... E pra onde vai tudo isso no final? Quantas gavetas serão necessárias para guardar tudo? Será que teremos flanela e álcool suficientes para manter tudo isso limpo?

Gosto do dizer do poeta José Paulo Paes quando afirma que “palavras são como brinquedo, só que com uma diferença: quanto mais a gente brinca, mais elas se renovam”. E não é assim? Quanto mais nos relacionamos com as palavras, mais possibilidades encontramos nelas, mais fecundas elas se mostram, mais infinitas são as suas combinações.

Já carro, casa, xícara e televisão, a cada dia ficam mais velhos, a cada dia estão se deteriorando mais. E os que deles dependem flertam com a angústia em ter que renová-los, trocá-los, reformá-los, repintá-los, reciclá-los, jogá-los fora, (mas nunca doá-los, dividi-los, emprestá-los... só que isso já é uma outra história).

Cada um elege seus brinquedos prediletos. Cada qual escolhe com o que se entreter. Cada um se “distrai” nessa vida da melhor forma que pode. Assim como as escolhas, também os resultados são diferentes para cada um de nós.

Eu escolhi as palavras, ressaltei as cores, abracei as formas para suportar essa vida. Estou feliz com elas e, penso, elas estão felizes comigo. Nos relacionamos bem, sem nenhuma cobrança (isso é um pouco mentira... elas ficam me aporrinhando para saírem perfeitas, se materializarem da melhor forma possível). Por elas não preciso pagar impostos, não há a exigência de estarem “na moda”, não são efêmeras (ao menos gostaria que não o fossem, já que são (?!) arte)...

E você? Qual seu brinquedo predileto?

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, Diretor da União Brasileira de Escritores – UBE.

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