segunda-feira, 11 de abril de 2011

O HOMEM QUE RI


Marilurdes Martins Campezi

Em um dia qualquer, ao ver em um quadro humorístico da televisão um ator caracterizando um personagem de um romance francês, lembrei-me de como me comovia sua situação: por um problema físico, seu rosto mostrava um sorriso constante e por isso era considerado um homem feio, conceito arbitrário utilizado até hoje por muitas pessoas para classificar o diferente do comum. Victor Hugo foi genial ao escrever essa história. Com um sorriso constante estampado em seu rosto, aquele homem sofreu preconceitos e tentou esconder-se até dos que mais amava. Dizem que este personagem inspirou o criador do Coringa, eterno inimigo de Batman.

E histórias como essa levaram-me a leituras mais sérias, desde os dez anos de idade. O interessante foi esse conhecimento de livros e autores chegarem até mim através das histórias em quadrinhos, mais especificamente por uma coleção de meu tio caçula, o Lico, cujas revistas eram denominadas “Edições Maravilhosas”. Ali eram reproduzidos os clássicos do romantismo e do realismo nacionais e estrangeiros.

Aqueles quadrinhos em branco e preto eram mágicos e minha infância saboreava os momentos de leitura, gulosamente, todas as tardes. Aquele mundo tão diferente para mim penetrava meu espaço e abria meus olhos e minha emoção para a vida.

E assim, as coleções que meu tio Lico comprava para seu deleite, sem que ele percebesse, preparavam-me para o prazer de ler.

Foram anos de intimidade com José de Alencar, Machado de Assis, Joaquim Manuel de Macedo, José Lins do Rego, Eça de Queirós, Victor Hugo, Edmond Rostand, Daniel Defoe e muitos outros.

Os desenhos dos quadrinhos mostravam-me cenas que mais tarde pude aperfeiçoar com a imaginação provocada pelas mesmas histórias, porém em livros sem imagens, selecionados entre bancos escolares: O Tronco do Ipê, A Pata da Gazela, Iracema, Dom Casmurro, A Moreninha, Menino de Engenho, Cyrano de Bergerac, Robinson Crusoe, A Ilha do Tesouro, O Homem que Ri, Os Miseráveis, O Médico e o Monstro, O Corcunda de Notre Dame, O Morro dos Ventos Uivantes, O Retrato de Dorian Gray e tantos outros que tornariam esta lista enfadonha, não fosse a sua importância.

Ao mesmo tempo, tinha contato com revistas infantis em quadrinhos, como Pato Donald e seus companheiros, Pernalonga, Bolinha e Luluzinha, o Fantasma, herói apaixonado por Diana, o Homem Borracha e o Homem Submarino, Capitão Marvel e o Jr., Superman, Batman e Robin, Homem Aranha. Todos foram os meus iniciadores no mundo dos quadrinhos e da leitura.

Conto-lhes esta experiência das leituras de minha infância para mostrar a muitos pais e educadores desavisados que ler é prazer, não é imposição. Cada qual tem um caminho e as histórias em quadrinhos pode ser um deles. O cuidado está em selecionar o que estará disponível para o futuro leitor de livros.

Assim, quando alguém me pergunta sobre leitura na internet ou nos livros, jornais, revistas, respondo com segurança: todos e muito mais!

Mas quanto à questão de seleção de assuntos adequados ao nível de idade, penso um pouco mais para responder.

Que tal começarmos por ler a vida?

Estamos no século XXI, quando os heróis são outros: jogos virtuais, praças de eletrônicos, filmagens com efeitos especiais, consumismo desenfreado, marcas famosas, artificialismo e mídia massacrante.

Desenvolver ou resgatar o hábito de ler a palavra escrita é mais que simplesmente folhear livros, jornais ou revistas. Antes de tudo é preciso exemplificar, viver lado a lado a leitura com a criança, disponibilizar material adequado e ter tempo. Como vê, é bem mais difícil... Além disso, cada um só dá o que tem para dar.

Mas uma coisa nos consola: em qualquer tempo o homem foi e sempre será sequioso de conhecimento, virtude que ninguém pode lhe roubar.

Marilurdes Martins Campezi é escritora, membro da Academia Araçatubense de Letras e da União Brasileira de Escritores – UBE.

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