terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

OLHOS AZUIS


Marilurdes Martins Campezi

Não sei o ano, mas o fato. Isto nem importa, pois minha história está repleta de fatos que em fração de segundos posso transportar para o hoje. Portanto, saber quando aconteceu não vai trazer mais nem menos mérito para minha narrativa.

O Cine São Francisco estava lotado por populares, naquela tarde da semana. O dia pode ter sido qualquer um, mas para mim, foi especial: sessão gratuita, prenúncios de um bom filme. E eu lá, como todas as demais mulheres, à espera de não sei quê.

Nós fomos para lá, envolvidas por um anúncio na rádio Cultura local: uma ainda não famosa marca de sabão iria patrocinar uma tarde da exibição de um filme, somente para o público feminino. A explicação vinha logo após o chamamento: lançamento revolucionário do sabão em pó. A demonstração seria antes da projeção do filme, cujo título era “Dois Olhos Azuis”. Um tanto curiosa, após ouvir o anúncio do locutor, apressei-me em conseguir o ingresso para ir ver o propagado filme. Juntei-me à turma da época e lá fomos nós, as saias godês fazendo dobras a cada passo e o frufru dos saiotes fazendo-se ouvir enquanto entrávamos pelo corredor entre as cadeiras. Sentamo-nos todas na mesma fileira porque disso não abríamos mão.

O palco tinha sua cortina de veludo bordô fechada sobre a tela panorâmica. No estreito espaço em frente à cortina, estavam armados dois tanques retangulares (de um metro de comprimento, mais ou menos) cheios de água límpida, visível pelo vidro que formava a sua parte frontal, como um aquário. Em cada lado do palco, estavam empilhados muitos saquinhos do sabão. Anunciado o início, duas belas garotas-propaganda entraram seguidas por um rapaz que trazia em suas mãos um cesto com roupas, que depois perceberíamos estarem sujas de variadas coisas: terra, gordura, carvão...

Um locutor fez-nos ouvir, pelo microfone, as vantagens de uma dona de casa que passasse a usar o sabão em pó, uma revolução, que além de facilitar o serviço, conservaria as mãos menos ressecadas. Murmúrios de admiração flutuavam pela plateia, mas nós, meninotas avançadas da época, só estávamos ali por causa do nome romântico do filme e não víamos a hora do seu início. As moças do palco, porém, indiferentes, fizeram uma bela demonstração de lavagem da roupa. Ficamos admiradas: não é que dava certo mesmo?

Depois de distribuírem amostras grátis, todos se retiraram do palco. Os tanques foram arrastados e foi anunciado o esperado filme. A música de sempre nos confortou, abriu-se a cortina bordô, e na tela apareceu um grande anúncio do dito sabão, cujo nome até hoje ouvimos e lemos em muitos lugares.

E o filme começou com uma pequena decepção: era em preto e branco. Mas logo nos esquecemos disto, enternecidas com a jovem cega que se apaixonara por um rapaz e pensava ser impossível esse seu amor por causa de sua deficiência. Chorávamos com ela, até pouco mais da metade do filme. O tema musical arrasava nossos corações diante do drama da mocinha.

Após angústias e sofrimentos, o jovem solidário e também apaixonado que, se não me engano, era médico oftalmologista dos bons, curou a visão da moça e...oh! surpresa! Um murmúrio passou pela platéia. Quando ela enxergou a luz, o filme passou a ser colorido, um colorido que não mais vi e penso que não verei, pois meus olhos, naquela tarde eram outros. É... ainda tenho a impressão de que aquele azul dos olhos da heroína foi emprestado para o céu da nossa terra.

Marilurdes Martins Campezi é escritora, membro da União Brasileira de Escritores e da Academia Araçatubense de Letras.

Um comentário:

  1. GOSTARIA DE OBTER O E-MAIL DA ESCRITORA.

    MARLUCI.BRASIL@UOL.COM.BR

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