terça-feira, 22 de março de 2011

Essência Volátil


Jordemo Zaneli Júnior
 
Durante o trajeto para o trabalho, Paulo César ouvia atentamente as notícias no rádio, tentando saber mais sobre o caso veiculado ontem, onde, furioso, um homem havia sequestrado a mãe de seus filhos na vã tentativa de fazê-la voltar para casa depois de abandonar anos de uma vida em comum.

Hoje, no lugar daquela notícia que despertara seu interesse, um estranho caso de um túnel que estava sendo cavado nas imediações de uma empresa de transportes de valores. Como faria para saciar seu desejo de informação?

Chegando ao trabalho foi comunicado que assistiriam a uma palestra sobre o perigo no manuseio de líquidos voláteis. O palestrante tomou como exemplo a principal propriedade da gasolina e sua facilidade de transformar-se rapidamente de líquido em vapor. A gasolina não é uma substância que se possa caracterizar por limites definidos na física ou na química – como se usam para descrever a água ou açúcar – porque ela é uma mistura volátil de hidrocarbono.

Assim que terminou a palestra, Paulo César ouviu seus colegas de trabalho comentar o quanto um determinado jornal persegue seu clube de futebol. Os erros de arbitragens contra a agremiação não existem, a favor são creditados com fraudes e favorecimentos. Uma única derrota já é motivo para crises internas e demissões do técnico e de jogadores irresponsáveis e anti-profissionais são procurados noitadas à fora pelo referido órgão de imprensa no intuito de forjar factóides. Paulo César lembrou que quando o time consegue uma vitória, tudo muda, até mesmo o dia fica claro, o céu de um azul anil varonil, o bosque do bairro brilha à luz do sol, os passarinhos fazem festa. O trânsito lento e caótico, a intolerância humana ficam muito mais fáceis de suportar.

Na volta para casa depois de um estafante dia de trabalho, tentava novamente ouvir a notícia que lhe interessava. Será que houve um final feliz? Ou mais cenas de sangue, suor e lágrimas? Ao contrário, o noticiário relatava as declarações do presidente do Banco Central, afirmando em entrevista que “as previsões do FMI que apontam uma retração na economia brasileira são voláteis e que o Brasil deve crescer acima da média mundial neste ano”. Paulo César pensou indignado: Que falta de compromisso com a informação. E os meus interesses pela notícia, como ficam?

Chegando a casa seu cachorro o estranhou. Oh amigão! Não me conhece mais? Disse ao animal. Será que errei de casa? Começou a sentir algo diferente no ambiente, uma aura carregada de maus pressentimentos. Sua mulher não estava neste mundo. Estava! (estava com outro na televisão, um cara sarado, barriga de tanquinho, cabelo loiros), os olhos da companheira brilhavam, sua respiração era ofegante. A mesa repleta de recipientes vazios, cheios de um nada insólito, humilhante, ultrajante. Paulo César olhou-se no espelho sua aparência cansada, os olhos fundos sem brilho, fixos em um nada, a barriguinha de chope, os cabelos e a barba não muito contribuíam com ele. Sem chances.

Os filhos estavam (não estavam), outros interesses, outro mundo, a figura carcomida de um nada vazio, que não inspirava pelo menos um por quê. A sombra de um passado de incertezas e uma louca corrida pelo novo corroíam as certezas, inchando cidades com cortiços e favelas, baixos salários, jornadas longas de trabalho, mudando radicalmente hábitos e valores, tudo a assombrar Paulo César, como um castigo por algum crime sentenciado por Dostoievski. A velocidade e sua força invisível varreram valores morais e religiosos, revelando um novo ser humano com outras crenças. No quarto uma fumaça empertigada.

A televisão, a grande companheira. Lá vou encontrar o que eu mais quero. Ao contrário, o noticiário relatava a história de um cara que roubava os donativos das vítimas da enchente que, agora, eram algozes a infernizar as autoridades. A tragédia era anunciada. E a notícia que interessava a Paulo César, não. Onde estou? Tudo é uma fraude, tudo parece ser e não ao mesmo tempo, não existe memória. Preciso ser mais volátil. Cansado, indignado resolveu beber para esquecer, chamou seu sobrinho residente agregado e pediu para comprar-lhe uma bebida no empório da rua, depois de muito insistir bradou: Você ainda não foi menino? O garoto respondeu: Eu já... vô lá tio.


Jordemo Zaneli Júnior é advogado e escritor, membro da União Brasileira de Escritores – UBE.


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