quarta-feira, 9 de março de 2011

STOP

Tito Damazo



“A Vida parou
Ou foi o automóvel?”

Carlos Drummond de Andrade


 
A bicicleta zunia ladeira abaixo. A cabeça, não. Esta, vento sem rumo, sambava por todos os cantos da vida.

Ainda se fosse época de eleição, nenhuma confiança mereciam, como insistia a maioria dos seus amigos. Não conseguia sentir no olhar, na face deles segundas intenções. Não falavam de políticos, não falavam de governos. Falavam da dura realidade de se viver na pobreza e na ignorância. Que era o que se passava com o povo do seu lugar.

Mais a mais, estava com eles Wanderley, em quem todo o mundo aprendera confiar. Médico honesto, atencioso, cumpridor do seu dever. Muitas vezes ia além do seu horário no postinho. Amigo, simples, jogava no time do bairro, com o qual ia, na carroceria do caminhão ou camionete, aos domingos. Ficava bom tempo no boteco, tomando umas cervejas com eles depois do jogo. Enquanto bebiam, entre uma brincadeira e outra, ele falava um bom tempo das muitas injustiças existentes contra os homens, as famílias dos trabalhadores.

Aqueles caras, quando iam com ele nas brincadeiras-dançantes, nas noites de sábado, promovidas pela associação dos amigos do bairro, nas quermesses da padroeira da paróquia, nalgum jogo de domingo, era gente boa como ele. Afinal, ele não ia levar com ele pro bairro nenhum vida torta, bagunceiro.

Aprendia. Levava a sério aquelas conversas. Já até ficava vez ou outra pensando naquilo tudo. As diferenças sociais muito grandes. O direito dos filhos de ir na escola como o filho dos outros. De não ter que ir trabalhar e não conseguindo assistir aula direito. De a saúde para eles todos, gente pobre, humilde, ser também boa, de confiança. A vida dos filhos tinha que ser melhor. Bendito o dia que conheceu o Wanderley e os amigos dele. O mundo passou a ficar mais claro. Se instruía. E sentia que eles também aprendiam muitas coisas com ele.

Dificuldade maior era o desemprego no momento. Mas não se atemorizava. A fome não bateria em sua porta. Tinha braço, força, saberia, com a graça de Deus, sempre desencavar alguns trocos. O pior ia passar. Desesperar era pior. Acreditava nele.

Opa! A bicicleta pinoteou. A roda passou por cima de um treco. Diminuiu a velocidade, mas a bicicleta ziguezagueava. O farol do carro apodando o outro! Porra! Vem em cima de mim o filho da puta! A calçada!...

O corpo explodiu contra o poste.

Ali, a família. Amigos sisudos contemplam-no que jazia no silêncio e indiferença definitivos. E a vida deles continuaria na mesma. A sua, que andava pensando nas mudanças, não mais.

O torpor da mulher era carregado de dor e desamparo. Não havia seguro. Não havia nenhum recurso. Justo agora, quando estava desempregado.

Naquele dia, os filhos não foram à escola. E ele não admitia que faltassem.

 
Tito Damazo é doutor em Letras e poeta, membro da União Brasileira de Escritores – UBE e da Academia Araçatubense de Letras – AAL.

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