terça-feira, 29 de março de 2011

EU TENHO UM SONHO E NINGUÉM O TIRA DE MIM

Antonio Luceni

Minha mãe não lia para mim antes de eu dormir. Minhas professoras da escola primária não levavam livros para sala, nem tão pouco indicavam leituras para serem realizadas em casa. Bibliotecas? Se quer sei o endereço de alguma delas. Será que elas existem mesmo? (Talvez ainda sob aquele formato e administração de O nome da Rosa). Livraria, de verdade, que só vende livros, ou ao menos é cheia deles por todos os lados, somente tive acesso depois dos vinte anos.

E sou um livromaníaco!

E por que gosto dos livros? Por que gosto de ler? Acho que é um pouco daquela coisa que dizem sobre vocação. Cada um de nós tem certa inclinação para alguma coisa, mesmo que esta coisa não seja ensinada, estimulada ou presente em nossas vidas.

Sabe aquele cara que cozinha muito bem, coordena temperos e cores, compõe sabores, não se contenta com o arroz e feijão? Sabe aquele menino ou menina que dança extremamente bem, que tem um swing danado, encantando a todos com gestos e movimentos? Sabe aquela senhorinha que, depois de aposentada, depois que os filhos saíram de casa e que o marido já não “manda mais” nela descobre-se atriz, pintora, escritora...?

Pois é, essas coisas da vida que a gente não sabe muito bem como explicar e dizer, mas vivenciar apenas. Deixar o fluxo da naturalidade acontecer, como um rebento vindo ao mundo: natural, normal, assim como tinha que ser.

Monteiro Lobato costumava dizer que livro é como sobremesa: tem que ser posto debaixo do nariz do freguês. Essa ideia de sobremesa nos remete a muitas coisas, não é mesmo? Sobremesa é gostosura, sobremesa é doce, sobremesa é agradável ao paladar, faz bem à vista (quantas sobremesas são comidas primeiro pelos olhos!).

Meu primeiro livro, dado pelo meu pai, foi tirado do lixo de um grande shopping em São Paulo. Um livro besta, que ensinava fazer azeite de forma artesanal. Umas ilustrações igualmente desinteressantes, mas não conseguia me desgrudar dele. Foi amor a primeira vista. Lembro-me dormindo com ele ao lado do travesseiro, levando-o dentro de minha mochila para exibi-lo aos meus colegas de classe e todos, como eu, inebriados pelo encantamento daquele objeto mágico (ou seria “saboreados” com a sobremesa?).

Essas coisas, essas aí ditas acima, de as crianças se envolverem com livros, com a leitura, com a escrita e com as artes de modo geral não poderiam se constituir como uma exceção. Esse encontro com o livro, com a fantasia, com o maravilhoso deveria ser estimulado, propiciado de forma deliberada, descaradamente pelos adultos.

Ninguém poderia ficar sem poder ler um livro, viajar em suas páginas, vivenciar outros mundos, conhecer outras culturas e pessoas, imaginar-se vivendo nesta ou naquela situação, apropriar-se de vocabulários, experenciar sentimentos outros que só são possíveis por meio da fantasia, da obra de arte... por falta de oportunidades, por falta de bibliotecas, por ausência de livrarias, porque ganha pouco e precisa ter a sorte de achar um livro no lixo a partir do qual irá se encantar.

Quem dera possamos viver, ainda, um Brasil em que as pessoas possam morar dentro de livros, como sugerido pelo mestre-literato, aplainando sonhos, criando outros tantos, comungando (de comer mesmo) com o irmão de diferentes paladares, de saberes e sabores provenientes da depuração de poetas, romancistas, contistas, cronistas...

Certamente será um Brasil melhor. Não temos dúvida de que serão pessoas melhores, mais comprometidas, mais sensíveis umas com as outras, mais camaradas, mais companheiras, mais... mais... e mais...

Eu tenho esse sonho e ninguém o tira de mim: ver livros à mão cheia por todos os cantos do Brasil.

Antonio Luceni é mestre em Letras e escritor, Diretor de Integração Regional – São Paulo/Noroeste da União Brasileira de Escritores – UBE.

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